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Richard Clayderman - Matrimonio De Amor .mp3
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quarta-feira

O MISTÉRIO DE CLARICE LISPECTOR

“UMA GALINHA”
CLARICE LISPECTOR

 
Era uma galinha de domingo. Ainda viva porque não passava de nove horas da manhã. 
                                                                                                 
Parecia calma. Desde sábado encolhera-se num canto da cozinha. Não olhava para ninguém, ninguém olhava para ela. Mesmo quando a escolheram, apalpando sua intimidade com indiferença, não souberam dizer se era gorda ou magra. Nunca se adivinharia nela um anseio.
Foi pois uma surpresa quando a viram abrir as asas de curto vôo, inchar o peito e, em dois ou três lances, alcançar a murada do terraço. Um instante ainda vacilou — o tempo da cozinheira dar um grito — e em breve estava no terraço do vizinho, de onde, em outro vôo desajeitado, alcançou um telhado. Lá ficou em adorno deslocado, hesitando ora num, ora noutro pé. A família foi chamada com urgência e consternada viu o almoço junto de uma chaminé. O dono da casa, lembrando-se da dupla necessidade de fazer esporadicamente algum esporte e de almoçar, vestiu radiante um calção de banho e resolveu seguir o itinerário da galinha: em pulos cautelosos alcançou o telhado onde esta, hesitante e trêmula, escolhia com urgência outro rumo. A perseguição tornou-se mais intensa. De telhado a telhado foi percorrido mais de um quarteirão da rua. Pouco afeita a uma luta mais selvagem pela vida, a galinha tinha que decidir por si mesma os caminhos a tomar, sem nenhum auxílio de sua raça. O rapaz, porém, era um caçador adormecido. E por mais ínfima que fosse a presa o grito de conquista havia soado.
Sozinha no mundo, sem pai nem mãe, ela corria, arfava, muda, concentrada. Às vezes, na fuga, pairava ofegante num beiral de telhado e enquanto o rapaz galgava outros com dificuldade tinha tempo de se refazer por um momento. E então parecia tão livre.
Estúpida, tímida e livre. Não vitoriosa como seria um galo em fuga. Que é que havia nas suas vísceras que fazia dela um ser? A galinha é um ser. É verdade que não se poderia contar com ela para nada. Nem ela própria contava consigo, como o galo crê na sua crista. Sua única vantagem é que havia tantas galinhas que morrendo uma surgiria no mesmo instante outra tão igual como se fora a mesma.
Afinal, numa das vezes em que parou para gozar sua fuga, o rapaz alcançou-a. Entre gritos e penas, ela foi presa. Em seguida carregada em triunfo por uma asa através das telhas e pousada no chão da cozinha com certa violência. Ainda tonta, sacudiu-se um pouco, em cacarejos roucos e indecisos. Foi então que aconteceu. De pura afobação a galinha pôs um ovo. Surpreendida, exausta. Talvez fosse prematuro. Mas logo depois, nascida que fora para a maternidade, parecia uma velha mãe habituada. Sentou-se sobre o ovo e assim ficou, respirando, abotoando e desabotoando os olhos. Seu coração, tão pequeno num prato, solevava e abaixava as penas, enchendo de tepidez aquilo que nunca passaria de um ovo. Só a menina estava perto e assistiu a tudo estarrecida. Mal porém conseguiu desvencilhar-se do acontecimento, despregou-se do chão e saiu aos gritos:
— Mamãe, mamãe, não mate mais a galinha, ela pôs um ovo! ela quer o nosso bem!
Todos correram de novo à cozinha e rodearam mudos a jovem parturiente. Esquentando seu filho, esta não era nem suave nem arisca, nem alegre, nem triste, não era nada, era uma galinha. O que não sugeria nenhum sentimento especial. O pai, a mãe e a filha olhavam já há algum tempo, sem propriamente um pensamento qualquer. Nunca ninguém acariciou uma cabeça de galinha. O pai afinal decidiu-se com certa brusquidão:
— Se você mandar matar esta galinha nunca mais comerei galinha na minha vida!
— Eu também! jurou a menina com ardor. A mãe, cansada, deu de ombros.
Inconsciente da vida que lhe fora entregue, a galinha passou a morar com a família. A menina, de volta do colégio, jogava a pasta longe sem interromper a corrida para a cozinha. O pai de vez em quando ainda se lembrava: "E dizer que a obriguei a correr naquele estado!" A galinha tornara-se a rainha da casa. Todos, menos ela, o sabiam. Continuou entre a cozinha e o terraço dos fundos, usando suas duas capacidades: a de apatia e a do sobressalto.
Mas quando todos estavam quietos na casa e pareciam tê-la esquecido, enchia-se de uma pequena coragem, resquícios da grande fuga — e circulava pelo ladrilho, o corpo avançando atrás da cabeça, pausado como num campo, embora a pequena cabeça a traísse: mexendo-se rápida e vibrátil, com o velho susto de sua espécie já mecanizado.
Uma vez ou outra, sempre mais raramente, lembrava de novo a galinha que se recortara contra o ar à beira do telhado, prestes a anunciar. Nesses momentos enchia os pulmões com o ar impuro da cozinha e, se fosse dado às fêmeas cantar, ela não cantaria mas ficaria muito mais contente. Embora nem nesses instantes a expressão de sua vazia cabeça se alterasse. Na fuga, no descanso, quando deu à luz ou bicando milho — era uma cabeça de galinha, a mesma que fora desenhada no começo dos séculos.
Até que um dia mataram-na, comeram-na e passaram-se anos.


Texto extraído do livro “Laços de Família”, Editora Rocco — Rio de Janeiro, 1998, pág. 30. Selecionado por Ítalo Moriconi, figura na publicação “Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século”.

O MENININHO QUE SONHAVA EM SER BOMBEIRO

HISTÓRIAS QUE CONSTROEM



Conta-se que uma mãe, com apenas 26 anos, parou ao lado do leito do filhinho de 5 anos, que estava morrendo de leucemia. Embora o coração dela estivesse pleno de tristeza e angústia, ela nutria forte sentimento de determinação. Como qualquer outra mãe, ela gostaria que o filhinho crescesse e realizasse seus sonhos. Agora, isso não seria mais possível, por causa da leucemia terminal. Mas, mesmo assim, ela ainda queria que o sonho do filho se transformasse em realidade.
Ela tomou a pequenina mão de seu menininho e perguntou:
- Gil, filhinho, o que você quer ser quando crescer? Você já sonhou o que gostaria de fazer com sua vida?
O pequeno Gil olhou para as paredes do quarto, para o teto, pensou, deu um sorriso fraco, um suspiro profundo e disse:
- Mamãe, quando eu crescer, eu vou ser bombeiro.
A mãe sorriu e animou-o:
- Vamos ver se podemos transformar esse sonho em realidade.
Aquela mãe, mais que depressa, saiu do hospital feito um furacão, foi ao corpo de bombeiros local, onde se encontrou com o chefe, um bombeiro de enorme coração, chamado Pedro. Ela explicou a situação do filho, seu último desejo e perguntou se seria possível dar com ele uma volta no carro dos bombeiros em torno do quarteirão do hospital. O bombeiro Pedro, que “olhava para dentro”, deu um alento:
- Veja, EU POSSO FAZER MAIS DO QUE ISSO! Se a senhora permitir, amanhã de manhã nós buscaremos o Gil e ele será bombeiro honorário por um dia. Ele poderá vir para o quartel, assistir a palestras, treinamentos, comer conosco e sair para atender as chamadas de incêndio! E se a senhora nos der as medidas das roupinhas dele, nós conseguiremos um uniforme verdadeiro para ele, com capacete com o emblema de nosso batalhão, um casaco amarelo igual ao que vestimos e botas também. Eles são todos confeccionados aqui mesmo na cidade e conseguiremos isso rapidamente.
Três dias depois, o comandante Pedro, “que olhava para dentro”, pegou o garoto, vestiu-o em seu uniforme de bombeiro e escoltou-o do leito do hospital até o caminhão dos bombeiros. O pequeno Gil ficou sentado na parte de trás do caminhão, e foi levado até o quartel central. Ele estava no céu.
Ocorreram três chamados naquele dia e o pequeno Gil acompanhou todos os três. Em cada chamada, ele foi em veículos diferentes: no caminhão tanque, no carro do Siate e até no carro do chefe do corpo de bombeiros. Ele também foi filmado pelo programa de televisão local.
Tendo seu sonho realizado, todo o amor e atenção que foram dispensados a ele acabaram por tocá-lo, tão profundamente que ele viveu três meses mais do que os médicos haviam previsto.
Uma noite, todas as suas funções vitais começaram a cair dramaticamente e a enfermeira-chefe, que também “olhava para dentro” e acreditava no conceito de que ninguém deveria morrer sozinho, começou a chamar ao hospital toda a família. Então, ela lembrou o dia em que Gil tinha passado como um bombeiro, e ligou para o chefe e perguntou se seria possível enviar algum bombeiro para o hospital naquele momento de passagem, para despedir-se de Gil. O chefe dos bombeiros respondeu: - EU POSSO FAZER MAIS DO QUE ISSO! Nós estaremos aí em cinco minutos. E faça-me um favor: Quando você ouvir as sirenes e vir as luzes de nossos carros, avise no sistema de som do hospital que não se trata de um incêndio. É apenas o corpo de bombeiros indo visitar, mais uma vez, um de seus mais distintos integrantes. E você poderia abrir a janela do quarto dele. Obrigado!
Dali cinco minutos, não mais, uma van e um caminhão com escada Magirus chegaram ao hospital, estenderam a escada até o andar onde estava o pequeno menino e 16 bombeiros, juntamente com o chefe, subiram pela escada até o quarto de Gil. Com a permissão da mãe, eles o abraçaram e seguraram e falaram para ele o quanto eles o amavam. Com um sopro final, Gil olhou para o chefe e quis certificar-se:
- Chefe, eu sou mesmo um bombeiro?
- Gil, você é um dos melhores! - exclamou o chefe.
Com essas palavras, o pequeno Gil deu um sorriso fraco e fechou seus olhos pela última vez. E foi para o céu como um bombeiro muito feliz.
Quantas vezes eu, você, nós não negamos estas palavras para as pessoas que realmente nos amam, na nossa família, na comunidade, mas o que é pior, quantas vezes não negamos estas palavras para os nossos sonhos? Essa história realmente aconteceu nos Estados Unidos e foi televisionada para toda a América. “EU POSSO FAZER MAIS DO QUE ISSO” É SÓ MEDITAR!

Nenhuma boa história se gasta, por muitas vezes que se conte.