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Richard Clayderman - Matrimonio De Amor .mp3
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sábado

AMOR PELOS LIVROS

"ESPLANADA"



“Naquele tempo falavas muito de perfeição,
da prosa dos versos irregulares
onde cantam os sentimentos irregulares
Envelhecemos todos, tu, eu e a discussão,


agora lês saramagos & coisas assim
e eu já não fico a ouvir-te como antigamente
olhando as tuas pernas que subiam lentamente
até um sítio escuro dentro de mim.


O café agora é um banco, tu professora de liceu;
Bob Dylan encheu-se de dinheiro, o Che morreu.
Agora as tuas pernas são coisas úteis, andantes,
e não caminhos por andar como dantes.”


Manuel António Pina em "Poesia Reunida"

AMOR PELOS LIVROS

Entrevista por Paulo Ricardo Kralik Angelini


Como nasce um livro? Como nasceram A rua dos secretos amores e Aconteceu também comigo?
Jane Tutikian: Um livro nasce um pouco a cada dia. A vida está cheia de histórias; é só olhar para ela e contá-las. Foi assim que surgiram A rua dos secretos amores e Aconteceu também comigo. O primeiro de contos, o segundo, uma novela juvenil. A Rua era um projeto antigo, implicava mexer numa série de coisas, até porque o modelo de rua era o modelo da rua da minha infância: a Avenida Cauduro, talvez por isso tenha demorado para realizá-lo, e, talvez por isso o processo de criação tenha sido tão rápido e tão intenso. Escrevi a primeira versão da Rua em apenas dez dias. Foi uma experiência única. Estive povoada por dez dias e vivi emoções extremas, do riso ao choro. Quanto ao Aconteceu, minha quarta novela juvenil, queria falar de um tempo que era o tempo da minha própria adolescência e, então, me ocorreu falar de um último ano, na vida de uma menina, no Instituto de Educação. Acho que é o livro que mais responde ao meu projeto com relação aos jovens: não tem uma história, tem situações, e tem um objetivo claro que é discutir a adolescência, os sentimentos, as dúvidas, as surpresas.

Como é escrever literatura infanto-juvenil? Vem à tona uma Jane diferente da que escreve outro tipo de literatura?
Jane Tutikian: Para falar a verdade, eu entrei na literatura juvenil quase por acaso, ou, pelo menos, sem intenção. Tinha uma personagem de 13 anos, escrevi sua história e surgiu A cor do azul, hoje na 22ª edição. Não pensei “agora vou escrever para jovem”. E acho isso o mais legal de tudo, porque não fiz nenhuma concessão de linguagem, de estilo, de pensamento, de nada. Não subestimei ninguém. Estou lá inteira, da mesma forma que estou inteira nos textos para adultos. Sou lá mais uma contadora de emoções do que uma contadora de histórias, da mesma forma que sou nos textos para adultos.

Quem é a primeira pessoa que lê teus livros? Eles vão direto para o editor ou há uma espécie de leitura informal de amigos?
Jane Tutikian: A primeira pessoa que lê os meus textos é a minha filha Fernanda. Ela é muito sensível e muito crítica. Se passa por ela, eu sei que está pronto; se não passa, sento e trabalho o texto. Por que não entrego para alguém da área? Porque o público não é da área e é para ele que eu escrevo.

Quando tu estás mergulhada na criação de um livro, quais são as maiores transformações no teu dia a dia?
Jane Tutikian: Não há grandes transformações no meu dia, há em mim, que fico mais dispersiva e com mais dificuldade de me concentrar em outra coisa que não o texto. Às vezes sou tomada por uma sensação de perda de tempo e lembro da Katherine Mansfield, lá na década de 20, quando dizia em uma das suas cartas: “não sei por que a gente que escreve acha que é tudo o que importa.” Quando escrevo, é, também, o que importa.

Tua atuação acadêmica facilita ou dificulta teu produção literária?
Jane Tutikian: Já atrapalhou e muito. Hoje, consigo separar a escritora da professora e isso me dá tranquilidade e espontaneidade para criar.

Quais são tuas influências literárias?
Jane Tutikian: Tudo o que li, que me transformou, que me emocionou. Álvaro de Campos, Clarice Lispector, Virgínia Woolf, Simone de Beauvoir, Caio Fernando Abreu e tantos outros.

Para uma autora que já recebeu tantos prêmios, até mesmo o Jabuti – prêmio máximo em nível nacional – existe uma certa expectativa de reconhecimento a cada novo trabalho?
Jane Tutikian: Os prêmios são um momento. Envaidecem, mas não inspiram, não são determinantes na criação de novos textos. O reconhecimento, por sua vez, depende de muitos fatores extra-literários e a gente tem que ter isso muito claro. Não temos, por exemplo, uma estrutura editorial que nos permita uma distribuição adequada, tanto em termos de Rio Grande do Sul quanto de Brasil, e uma boa divulgação. A distribuição é precária e a divulgação privilegia meia dúzia de eleitos. O reconhecimento passa por isso. Há muita gente boa produzindo muito e bem, neste país de extensão continental, e a gente não chega sequer a conhecer.

Qual a importância de um evento como a Feira do Livro de Porto Alegre?
Jane Tutikian: A Feira do Livro de Porto Alegre faz parte da nossa identidade, essa é sua grande e verdadeira importância, é o momento em que a cidade para e se centra no livro. As pessoas economizam e juntam dinheiro para a feira, e isso é um barato! É a grande oportunidade de o livro cumprir seu destino, pois não há como cumpri-lo se não for junto ao leitor. Em termos mais amplos, em tempos de avanço tecnológico, impõe-se o desafio da humanização de que o livro pode ser o melhor agente.

Qual a tua opinião sobre sites na internet que estimulam a criação literária e a discussão na rede?
Jane Tutikian: Sou de uma geração muito mais feliz do que esta. Tínhamos o Caderno de Sábado, que aceitava nossos textos. Criticávamos nossos textos impressos e essa relação é fundamental. Como esse espaço foi suprimido, criaram-se outros, como os sites, e eu sou plenamente a favor deles como espaço alternativo de divulgação e de reflexão. Não creio, por exemplo, que possam vir a substituir o livro.

Jane Tutikian nasceu em Porto Alegre em 1952. É escritora e professora universitária (UFRGS). Autora de Batalha naval, A cor do azul (prêmio Jabuti literatura Infanto-Juvenil), Pessoas (prêmio Erico Verissimo), Geração Traída (prêmio Gralha Azul/PR), Um time muito especial (prêmio Tibicuera Livro do Ano), Alê, Marcelo, Ju & Eu (prêmio Açorianos Infanto-Juvenil), A rua dos secretos amores, Aconteceu também comigo (prêmio destaque Academia Brasileira de Letras), entre outros.