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segunda-feira

DINAH SILVEIRA DE QUEIROZ, ROMANCISTA, CONTISTA E CRONISTA, SEGUNDA MULHER A OCUPAR CADEIRA NA ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS.

HISTÓRIA DE MINEIRO
Dinah Silveira de Queiroz



Estou sabendo de uma historinha que bem valia um conto e feito por quem a narrou, o contista que anda arrebatando todos os prêmios dos concursos em que se inscreve: Edson Guedes de Morais. É um caso de mineiro. Trata de gente pobre e de filho que veio trabalhar no Rio, prosperou e um dia mandou uma carta ao pai:
Meu pai: com a graça de Deus, posso dizer que já tenho economia suficiente para pretender realizar qualquer sonho seu. Minha maior felicidade estará em poder propor : que possa fazer para alegrá-lo? 0 que mais desejaria na vida? Tenho pensado muito em sua luta de sacrificado e não me lembro de tê-lo ouvido falar sobre qualquer aspiração. Não se acanhe, papai, mande dizer se o senhor quiser alguma coisa."
Lá da cidadezinha das Minas Gerais veio uma carta. Daquele homem religioso, devoto de Nossa Senhora Aparecida, austero, confiando nos seus deveres e trabalhos: o homem que jamais manifestara ao filho o seu desejo de possuir, por exemplo, um carro, ou ter um negócio só seu, ou, no mínimo, de adquirir uma lavadeira automática para desafogar o trabalho da mulher :
— "Meu filho, com a graça. de Deus, todos vão com saúde. Não me falta nada. Assim como vivo, vivo bem. Mas se você quiser saber de um desejo que sempre tive fique sabendo agora que toda a vida quis ver o mar. É só isso, meu filho, mais nada."
Tão pouco lhe pedia o pai ! Mandou-lhe o filho a passagem, depois de ter escolhido um bom hotelzinho na Tijuca, freqüentado por gente de pequenas posses, mas pessoas escolhidas — só família, enfim. E o velho chegou com a alegria de ver o filho que realizara o que inúmeras gerações de sua gente não haviam conseguido: ter dinheiro sobrando. Vieram as efusões, as lágrimas. O primeiro dia passou, e, logo no segundo, o filho veio buscar o pai:
Papai, vista-se que eu vou levá-lo a Copacabana. Está na hora de realizar o desejo."
0 velho olhou-o piscando meio trêmulo:
— "Hoje, não. Quero visitar a prima Carlota, que mora aqui perto. Amanhã eu vou".
Chegou amanhã, e o pai, sempre tremendo e piscando, disse que não se sentia bem para ir a Copacabana. No terceiro e no quarto dias também, afirmou que não podia ir e que queria comprar uma lembrancinha para a mulher e para a filha. Alguns dias decorreram e o grande encontro entre o mineiro e o mar foi sendo protelado. Já, então, o filho estava meio triste com aquela estranha atitude do pai e, afinal, desabafou:
— "Parece que o senhor não está querendo mesmo ir ver o mar! Desde que chegou aqui não encontra um dia para realizar aquilo que afirmou ser o único desejo de sua vida!"
0 pai chegou a pegar o chapéu, passou a mão no ombro do filho mas estava tão perturbado, que desta vez, realmente, parecia doente.
— "Meu pai, o que é que o senhor tem? O que há?"
O velho mineiro, de olhos nublados, hesitou. Por fim, largou o peso da verdade de uma vez :
— "Acho uma coisa tão maravilhosa poder ir ver o mar que quero entregar a Nossa Senhora o meu sacrifício. Meu filho, não se zangue. Vou voltar hoje mesmo para casa sem ir a Copacabana".
— "Mas por que, meu pai? Por quê? Nem Nossa Senhora vai aceitar esse seu sacrifício. Todo mundo vê o mar todo dia. Gente há que nem liga, passa pela praia e nem volta o rosto para ele..."
Mas, a essa altura, o velho já ia juntando os seus trens. Nesse mesmo dia voltou para sua cidade das Minas Gerais, levando em sua imaginação a idéia do abismo de assombro que ele jamais encontraria.

Dinah Silveira de Queiroz nasceu em 09/11/1910 na capital paulista. Publicou seu primeiro conto em 1937, e dois anos depois lançou seu primeiro livro, "Floradas na Serra", obtendo grande sucesso e sendo premiada pela Academia Paulista de Letras. Em 1954 recebeu o Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto de sua obra. Desempenhou as funções de adido cultural do Brasil junto à nossa Embaixada em Madrid. É a autora de "A Sereia Verde", "Margarida La Roque", "Aventuras do Homem Vegetal", "A Muralha", "O Oitavo Dia", "As Noites do Morro do Encanto", "Eles Herdarão a Terra" e "Os Invasores", dentre outros. Como cronista, assinou no jornal A Manhã, do Rio de Janeiro, a seção "Café da Manhã", e no Jornal do Commércio, da mesma cidade, a seção "Jornalzinho Pobre". Colaborou em programas na Rádio Ministério da Educação e na Rádio Nacional.

Crônica extraída do livro "Quadrante 2", Editora do Autor – Rio de Janeiro, 1968, pág. 13.

Projeto Releitura

PAULO LEMINSKI - O POETA DO PARANÁ

POESIA
Paulo Leminski
















I
Confira
tudo que
respira
conspira


II
Tudo é vago e muito vário
meu destino não tem siso,
o que eu quero não tem preço
ter um preço é necessário,
e nada disso é preciso


III
Cinco bares,
dez conhaques
atravesso são paulo
dormindo dentro de um táxi


IV
isso de querer
ser exatamente aquilo
que a gente é
ainda vai
nos levar além


V
O pauloleminski
é um cachorro louco
que deve ser morto
a pau a pedra
a fogo a pique
senão é bem capaz
o filhodaputa
de fazer chover
em nosso piquenique


Paulo Leminski nasceu aos 24 de agosto de 1944 na cidade de Curitiba, Paraná. Em 1964, já em São Paulo, SP, publica poemas na revista "Invenção", porta voz da poesia concreta paulista. Casa-se, em 1968, com a poetisa Alice Ruiz. Teve dois filhos: Miguel Ângelo, falecido aos 10 anos; Áurea Alice e Estrela. De 1970 a 1989, em Curitiba, trabalha como redator de publicidade. Compositor, tem suas canções gravadas por Caetano Veloso e pelo conjunto "A Cor do Som". Publica, em 1975, o romance experimental "Catatau". Traduziu, nesse período, obras de James Joyce, John Lenom, Samuel Becktett, Alfred Jarry, entre outros, colaborando, também, com o suplemento "Folhetim" do jornal "Folha de São Paulo" e com a revista "Veja". No dia 07 de junho de 1989 o poeta falece em sua cidade natal. Paulo Leminski foi um estudioso da língua e cultura japonesas e publicou em 1983 uma biografia de Bashô. Sua obra tem exercido marcante influência em todos os movimentos poéticos dos últimos 20 anos. Seu livro "Metamorfose" foi o ganhador do Prêmio Jabuti de Poesia, em 1995. Em 2001, um de seus poemas ("Sintonia para pressa e presságio") foi selecionado por Ítalo Moriconi e incluído no livro "Os Cem Melhores Poemas Brasileiros do Século", Editora Objetiva — Rio de Janeiro.

Bibliografia:


- Catatau (prosa experimental). Curitiba, Ed. do Autor, 1975.
- Quarenta clic's de Curitiba. Poesia e fotografia, com o fotógrafo Jack Pires. Curitiba, Etecetera, 1976.
- Polonaises. Curitiba, Ed. do Autor, 1980.
- Não fosse isso e era menos/ não fosse tanto e era quase. Curitiba, Zap, 1980.
- Tripas. Curitiba, Ed. do Autor, 1980.
- Caprichos e relaxos. São Paulo, Brasiliense, 1983.
- Agora é que são elas (romance). São Paulo, Brasiliense, 1984.
- Hai Tropikais (com Alice Ruiz). Ouro Preto, Fundo Cultural de Ouro Preto, 1985.
- Um milhão de coisas. São Paulo, Brasiliense, 1985.
- Guerra dentro da Gente. São Paulo, Scipione, 1986.
- Caprichos e relaxos. São Paulo, Círculo do Livro, 1987.
- Distraídos venceremos. São Paulo, Brasiliense, 1987.
- A lua foi ao cinema. São Paulo, Pau Brasil, 1989.
- La vie en close. São Paulo, Brasiliense, 1991.
- Metaformose, uma viagem pelo imaginário grego (prosa poética/ ensaio). Iluminuras, São Paulo, 1994. (Prêmio Jabuti de Poesia, 1995)
- Winterverno (com desenhos de João Virmond). Fundação Cultural de Curitiba, Curitiba, 1994.
- Szórakozott Gyozelmunk (Nossa Senhora Distraída) — Distraídos venceremos, tradução de Zoltán Egressy.
- Coletânea organizada por Pál Ferenc - Hungria, ed. Kráter, 1994.
- Descartes com lentes (conto). Col. Buquinista, Fundação Cultural de Curitiba, Curitiba, 1995.
- O ex-estranho. Iluminuras, São Paulo, 1996.
- Melhores poemas de Paulo Leminski. (seleção Fréd Góes) Global, São Paulo, 1996.
- Aviso aos náufragos. Coletânea organizada e traduzida por Rodolfo Mata. Coyoacán - México, Eldorado Ediciones, 1997.
- Agora é que são elas (romance). Fundação Cultural de Curitiba, 1999.

Projeto releitura