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Richard Clayderman - Matrimonio De Amor .mp3
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terça-feira

A DOÇURA DE CORA CORALINA


CORA CORALINA




                                            









AS CONCLUSÕES DE ANINHA

Estavam ali parados. Marido e mulher.
Esperavam o carro. E foi que veio aquela da roça
tímida, humilde, sofrida.
Contou que o fogo, lá longe, tinha queimado seu rancho,
e tudo que tinha dentro.
Estava ali no comércio pedindo um auxílio para levantar
novo rancho e comprar suas pobrezinhas.

O homem ouviu. Abriu a carteira tirou uma cédula,
entregou sem palavra.
A mulher ouviu. Perguntou, indagou, especulou, aconselhou,
se comoveu e disse que Nossa Senhora havia de ajudar
E não abriu a bolsa.
Qual dos dois ajudou mais?

Donde se infere que o homem ajuda sem participar
e a mulher participa sem ajudar.
Da mesma forma aquela sentença:
"A quem te pedir um peixe, dá uma vara de pescar."
Pensando bem, não só a vara de pescar, também a linhada,
o anzol, a chumbada, a isca, apontar um poço piscoso
e ensinar a paciência do pescador.
Você faria isso, Leitor?
Antes que tudo isso se fizesse
o desvalido não morreria de fome?

Conclusão:
Na prática, a teoria é outra.


Cora Coralina (Ana Lins do Guimarães Peixoto Brêtas), 20/08/1889 — 10/04/1985, é a grande poetisa do Estado de Goiás. Em 1903 já escrevia poemas sobre seu cotidiano, tendo criado, juntamente com duas amigas, em 1908, o jornal de poemas femininos "A Rosa". Em 1910, seu primeiro conto, "Tragédia na Roça", é publicado no "Anuário Histórico e Geográfico do Estado de Goiás", já com o pseudônimo de Cora Coralina. Em 1911 conhece o advogado divorciado Cantídio Tolentino Brêtas, com quem foge. Vai para Jaboticabal (SP), onde nascem seus seis filhos: Paraguaçu, Enéias, Cantídio, Jacintha, Ísis e Vicência. Seu marido a proíbe de integrar-se à Semana de Arte Moderna, a convite de Monteiro Lobato, em 1922. Em 1928 muda-se para São Paulo (SP). Em 1934, torna-se vendedora de livros da editora José Olimpio que, em 1965, lança seu primeiro livro, "O Poema dos Becos de Goiás e Estórias Mais". Em 1976, é lançado "Meu Livro de Cordel", pela editora Cultura Goiana. Em 1980, Carlos Drummond de Andrade, como era de seu feitio, após ler alguns escritos da autora, manda-lhe uma carta elogiando seu trabalho, a qual, ao ser divulgada, desperta o interesse do público leitor e a faz ficar conhecida em todo o Brasil.

Sintam a admiração do poeta, manifestada em carta dirigida a Cora em 1983:

"Minha querida amiga Cora Coralina: Seu "Vintém de Cobre" é, para mim, moeda de ouro, e de um ouro que não sofre as oscilações do mercado. É poesia das mais diretas e comunicativas que já tenho lido e amado. Que riqueza de experiência humana, que sensibilidade especial e que lirismo identificado com as fontes da vida! Aninha hoje não nos pertence. É patrimônio de nós todos, que nascemos no Brasil e amamos a poesia ( ...)." Editado pela Universidade Federal de Goiás, em 1983, seu novo livro "Vintém de Cobre - Meias Confissões de Aninha", é muito bem recebido pela crítica e pelos amantes da poesia. Em 1984, torna-se a primeira mulher a receber o Prêmio Juca Pato, como intelectual do ano de 1983. Viveu 96 anos, teve seis filhos, quinze netos e 19 bisnetos, foi doceira e membro efetivo de diversas entidades culturais, tendo recebido o título de doutora "Honoris Causa" pela Universidade Federal de Goiás. No dia 10 de abril de 1985, falece em Goiânia. Seu corpo é velado na Igreja do Rosário, ao lado da Casa Velha da Ponte. "Estórias da Casa Velha da Ponte" é lançado pela Global Editora. Postumamente, foram lançados os livros infantis "Os Meninos Verdes", em 1986, e "A Moeda de Ouro que um Pato Comeu", em 1997, e "O Tesouro da Casa Velha da Ponte", em 1989.

Texto extraído do livro "Vintém de cobre - Meias confissões de Aninha", Global Editora — São Paulo, 2001, pág. 174.

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O BRILHO DE ADÉLIA PRADO

FINAL FELIZ

Adélia Prado



E o locutor da festinha continuou empolgado, fazendo bonito pra sua mulher, que deixara, naquela noite, comparecer ao seu trabalho, tendo-lhe adquirido, ele próprio, o convite. ... "porque, além de militar reformado da PPMG, é ainda o proprietário do animado Bar Central, o avô da nossa Lesliene, a feliz aniversariante desta noite.” Quando disse "nossa Lesliene”, acreditou desapontado que a mulher não salvava sua inventividade narrativa. Arrependeu-se de tê-la trazido e insistiu com o moço do vídeo para que filmasse mais à esquerda do palco, a mesa da dona da festa. De verdade, queria mesmo é que a mãe de seus filhos não aparecesse no filme; uma mulher que não passava uma sexta-feira sem encher latas e latas de biscoitos e só sabia ir em festa daquele mesmo jeito: saia preta, blusa de seda, por fora, pra disfarçar as ancas e arquinho na cabeça — putisgrila —, desse tinha vários de diversas cores, devia se achar nua sem o arco nos cabelos, logo ele, um homem conhecido, com aquele talento incrível para animar festas. “... agora, senhoras e senhores, o momento tão esperado em que a nossa — olhou de novo pra mulher olhando pra ele embevecida, se esquecendo de ficar em pé —, a nossa festejada Lesliene, a menina-moça da noite, vai apagar as merecidas velinhas.” Ai, será que estava certo dizer “merecidas velinhas”? Achou ótimo ser o locutor e estar dispensado de dançar com a mulher, que não conseguia terminar o pratinho, bebendo guaraná em pequenos goles. Pensou ter sido um erro tê-la trazido à festa. Se sentia desconfortável, inseguro dos adjetivos, querendo tirar a gravata e mostrar pras pessoas o que o roqueiro doidão mostrou durante um show e acabou preso. Gente do céu, o que está acontecendo comigo? Olhou para o avô, da Lesliene. Um filho da mãe, esse "militar reformado" espancador de presos. Nem que a marica estica eu falo mais o nome dele aqui, E essa Lesliene está me saindo uma perua e tanto. Então isto é salto para uma menina de quinze anos? “... e agora, senhores — esqueceu das senhoras —, o Toniquinho do Arlindo vai tocar a valsa que a aniversariante dançará com o pai dela.” Não disse "o talentoso músico Antônio Miranda, filho do nosso popular Zico Miranda, tocará a valsa que Lesliene dançará com o seu progenitor". Meio escondida por uma coluna do salão, sua mulher ainda não terminara os salgadinhos. Finíssima. Lembrou que ela lhe aconselhara trocar de camisa, "você fica melhor com a de linho creme". Teve vontade de chorar e ao mesmo tempo sentiu raiva daquele amor paciente e silencioso, capaz de morrer por ele.

Foram pra casa calados. Quando se virou pro canto, um homem roubado, ela disse: você fala tão bonito, Raimundo! — Pois você fique sabendo que de hoje em diante não pego mais bico de locução noturna. Já tou cheio disso. Vou reabrir minha oficina que é melhor negócio. — Acho pena, você fala tão bem! — Cremilda, se eu te pedir, você nunca mais põe arquinho no cabelo? Dá pra sua irmã aquele conjunto de saia e blusa? Você me perdoa? Não entendia bem o discurso do marido, estranho naquela noite, mas era uma verdadeira mulher, fez como Nossa Senhora, disse sim ao senhor. E Raimundo fez com ela o que faz um homem competente para deixar feliz sua mulher.



O texto acima foi extraído do livro "Filandras", Editora Record - Rio de Janeiro, 2001, pág.11.

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